Os créditos de carbono — concebidos para representar reduções ou remoções de gases de efeito estufa — tornaram-se uma ferramenta-chave na resposta global à crise climática. No entanto, persistem dúvidas sobre se todos os créditos representam benefícios genuínos e duradouros para as pessoas e a natureza.
Alguns projetos de compensação de carbono foram acusados de superestimar seu impacto climático, enquanto outros falharam em garantir e respeitar os direitos dos Povos Indígenas (PI) e das comunidades locais (CL) que dependem das florestas. Embora os PI e as CL participem cada vez mais de iniciativas de carbono e os mecanismos de distribuição de benefícios e responsabilidades estejam melhorando, ainda se dá muito pouca atenção aos seus direitos de autodeterminação e tomada de decisão.
Em resposta a esses desafios, o conceito de “carbono de alta integridade” (HIC, na sigla em inglês) ganhou força. Para que os créditos de carbono sejam de alta integridade, eles devem cumprir rigorosos padrões ambientais e sociais a fim de contribuir de maneira significativa para os esforços climáticos globais.
Uma revisão recente da literatura, baseada em publicações e declarações de atores que promovem o HIC, explorou como se define a “alta integridade”, bem como seus alcances e limitações. Os achados destacam lacunas nas definições atuais e sublinham a necessidade de repensar o que constitui a alta integridade.
Povos Indígenas, comunidades locais e alta integridade
Os mercados de carbono geram controvérsia dentro dos movimentos e das comunidades de PI e CL. As respostas são diversas: vão de iniciativas pioneiras, como o Programa Indígena de REDD+ Jurisdicional no Peru, ao rechaço absoluto dos mercados de carbono e do próprio conceito do carbono como valor transacionável. Também existem relatórios e investigações jornalísticas que documentaram violações de direitos associadas a iniciativas de carbono.
Nossa pesquisa mostra como os PI e as CL dedicam especial atenção à equidade e à justiça nos programas de carbono, com demandas claras em diferentes áreas. Entre elas: o reconhecimento, o respeito e o fortalecimento de seus sistemas de governança; a valorização e integração de saberes e práticas ancestrais e tradicionais; a mudança dos sistemas de salvaguardas de uma abordagem de “não causar dano” para outra, proativa, de “fazer melhor”; a ampliação dos mecanismos de financiamento direto; e o estabelecimento de mecanismos independentes de queixas, entre outros.
Redefinindo a alta integridade no carbono florestal
Há consenso em torno dos critérios de integridade ambiental para os créditos de carbono. A maioria das definições concorda que os créditos de carbono de alta integridade devem ser: a) adicionais (isto é, que as reduções ou remoções não ocorreriam sem o programa); b) permanentes (que perdurem no tempo); c) livres de vazamento (que deter a desmatamento ou a degradação em um lugar não a desloque para outro); e d) verificados por métodos baseados em evidências, com verificação independente por terceiros.
A integridade social, porém, recebe menor apoio político, técnico e financeiro, apesar de ser igualmente crucial. As definições e abordagens sobre integridade social variam amplamente; mesmo quando se mencionam explicitamente o Consentimento Livre, Prévio e Informado (CLPI) ou a importância dos direitos de PI e CL, frequentemente tais referências se reduzem a padrões mínimos de salvaguardas de “não causar dano” ou permanecem imprecisas quanto à sua implementação. Sem uma ambição clara de “fazer melhor”, é difícil estabelecer práticas que sustentem créditos com alta integridade social.
Com base em nossa revisão, definimos os créditos de carbono de alta integridade como unidades de redução ou remoção de emissões fornecidas por programas que combinam alta qualidade e alta ambição, tanto na dimensão ambiental quanto na social. Embora as definições examinadas tenham contribuído para dar visibilidade aos padrões sociais, poucas alcançam o nível de ambição que propomos: a promoção ativa da participação, da equidade e da justiça.
Caminhos para a mudança
Atingir essa ambição requer diretrizes práticas com o mesmo rigor das ferramentas e metodologias usadas para garantir a alta integridade ambiental, apoiadas por respaldo financeiro, político e técnico equivalente.
Essas salvaguardas devem fundamentar-se no reconhecimento e no respeito aos direitos consagrados em acordos internacionais, como a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT 169) e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher.
Se o objetivo da alta integridade é “fazer melhor”, o progresso deve ser medido com indicadores específicos e co-desenhados para avaliar avanços, concebidos e supervisionados pelos próprios PI e CL. Isso exigirá abordagens que vão além dos marcos jurídicos e de políticas da maioria dos países que implementam programas de carbono florestal.
Nossa revisão identifica cinco aspectos-chave relevantes para os direitos de PI e CL que qualquer programa de carbono que afirme ter alta integridade deveria adotar:
- Reconhecer e respeitar o Consentimento Livre, Prévio e Informado (CLPI): O CLPI deve ser um processo contínuo, não uma única reunião. Guiado pela Convenção 169 da OIT, deve incluir mulheres e jovens e funcionar como um diálogo respeitoso e permanente entre parceiros em pé de igualdade, desde o início até a conclusão do programa.
- Adotar abordagens transformadoras em matéria de gênero: Os programas de carbono devem ir além de serem sensíveis ou “responsivos” a gênero e trabalhar com abordagens transformadoras. Isso significa promover a igualdade de gênero em seu núcleo, enfrentando as causas estruturais da desigualdade — desde os direitos à terra até a tomada de decisões e a participação nos benefícios da venda de créditos de carbono.
- Respeitar os direitos à terra e aos recursos de PI e CL: Esses direitos devem ser rigorosamente monitorados e constituir condição prévia para a venda de créditos de carbono. Para evitar agravar contextos políticos já voláteis, os programas devem mapear e respeitar os direitos consuetudinários, incluindo as desigualdades de gênero no acesso à terra, e prevenir qualquer deslocamento comunitário.
- Garantir repartição equitativa de benefícios e responsabilidades: Essa repartição não deve se limitar à propriedade da terra ou do carbono, que muitas vezes é indefinida, pouco clara ou tende a ser atribuída aos homens. Os mecanismos de distribuição justa devem ser desenhados ou co-desenhados com homens e mulheres de PI e CL, e basear-se em uma compreensão completa das cargas e responsabilidades envolvidas.
- Estabelecer sistemas de queixas e monitoramento culturalmente pertinentes: Os padrões de carbono devem incluir mecanismos independentes, acessíveis e transparentes de queixa e reparação, bem como mecanismos para monitorar o cumprimento das salvaguardas. Esses sistemas devem ser entendidos como parte de uma abordagem de gestão adaptativa, culturalmente pertinente, acessível e transparente, concebida como ferramenta de avaliação para a implementação dos programas.
Os créditos de carbono de alta integridade podem fazer parte da solução para a crise climática, desde que sejam implementados com igual ênfase na integridade ambiental e na justiça social. Integridade não se alcança apenas com contabilidade; ela requer assegurar o respeito aos direitos, enfrentar as desigualdades e adotar estratégias de mudança transformadora. Sem esse equilíbrio, os programas correm o risco de reforçar as mesmas desigualdades que afirmam combater, perdendo a oportunidade de oferecer soluções climáticas verdadeiramente justas e duradouras.
Para obter mais informações sobre esta pesquisa, entre em contato com Anne Larson em a.larson@cifor-icraf.org ou com Juan Pablo Sarmiento Barletti em j.sarmiento@cifor-icraf.org.
Agradecimentos
Este estudo foi financiado pela Aliança pelo Clima e Uso da Terra (CLUA, na sigla em inglês). As opiniões expressas pertencem aos autores e não refletem necessariamente as do CIFOR-ICRAF ou da CLUA.








