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Cinco lições sobre restauração em contextos sensíveis a conflitos

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A restauração de terras também é uma questão de paz e desenvolvimento sustentável

A degradação de terra é tanto causa como consequência dos conflitos, alimentando um ciclo vicioso que torna as sociedades, economias e ecossistemas cada vez mais vulneráveis às mudanças climáticas e à perda de biodiversidade. 

Isso é especialmente verdadeiro na África Subsaariana, onde a erosão do solo e a perda de serviços ecossistêmicos ameaçam os meios de subsistência de cerca de 500 milhões de pessoas. À medida que os recursos naturais diminuem, a demanda se intensifica, o que muitas vezes provoca instabilidade, deslocamentos forçados e a alteração de valores culturais. 

Restaurar a terra e os ecossistemas degradados pode lançar as bases para a paz, mas apenas se os esforços se basearem na compreensão de como atuar em ambientes sensíveis a conflitos. A Grande Muralha Verde (GGW, na sigla em inglês), uma iniciativa liderada pela África para recuperar 100 milhões de hectares em diversos contextos ecológicos e socioeconômicos —com especial atenção às regiões do Sahel e do Chifre da África—, oferece um valioso laboratório para testar essas abordagens. 

Em 17 de julho, o programa Knowledge for Great Green Wall Action (K4GGWA) e o Reverdecer a África —ambos codirigidos pelo Centro de Pesquisa Florestal Internacional e Centro Internacional de Pesquisa Agroflorestal (CIFOR-ICRAF) e com o apoio da União Europeia (UE)— organizaram um evento virtual para explorar como é uma restauração eficaz em zonas propensas a conflitos. 

Aqui apresentamos cinco recomendações e recursos-chave, ilustrados com estudos de caso de todo o Sahel e do Chifre da África.

1. Adaptar as estratégias de restauração à dinâmica do conflito

Compreender a natureza dos conflitos nas zonas degradadas, suas causas profundas e os grupos mais afetados é essencial para desenhar intervenções inclusivas e duradouras que envolvam os atores adequados e transformem a competição em cooperação a longo prazo. 

“Para que a restauração favoreça a cura e a resiliência, devemos prestar atenção às pessoas e às dinâmicas sociais, políticas e econômicas em campo”, afirmou Samaila Abdullahi, docente e pesquisador da Universidade Usmanu Danfodiyo, na Nigéria. 

No estado de Sokoto, no norte da Nigéria, a degradação da terra e os conflitos decorrem da sobreposição de usos do solo (agricultura e pecuária), da insegurança na posse da terra —especialmente para mulheres e jovens—, da apropriação corporativa de terras e dos deslocamentos, tudo isso em um contexto de mudanças climáticas. 

O governo estadual respondeu com esforços híbridos de construção da paz e restauração, enraizados na cultura local. Entre eles estão um fundo religioso de dotação ou Waqf para um pomar de tâmaras; cooperativas de moringa para ajudar as mulheres a garantir alimentação e renda; viveiros e hortas escolares para enfrentar o desemprego juvenil; e “fazendas da paz” em áreas propensas à insegurança. 

“O modelo combina apoio institucional com conhecimento local e legitimidade baseada na fé, o que contribui para a aceitação e continuidade das iniciativas”, explicou Abdullahi. 

Em áreas sensíveis a conflitos, indicadores ambientais e de construção da paz —como segurança alimentar, meios de subsistência, participação, inclusão de gênero e confiança— são essenciais para monitorar o progresso, acrescentou Héctor Morales Muñoz, assessor principal do grupo de especialistas adelphi.

2. Facilitar o diálogo inclusivo

A restauração que fortalece a coesão social requer plataformas inclusivas que reúnam as partes interessadas na tomada de decisões e as mantenham envolvidas. 

No planalto de Velingara Ferlo, Senegal, o Instituto Senegalês de Pesquisa Florestal está testando métodos de restauração de terras para reforçar a resiliência climática no âmbito da GGW. O núcleo desses esforços são as unidades pastorais, onde pastores e agricultores acordam como compartilhar a terra e a água, designar áreas de atividade e cultivar forragem em pastagens para evitar o sobrepastoreio. 

“Muitos dos conflitos que tínhamos foram resolvidos, e a unidade pastoral mediará qualquer disputa que possa surgir entre pastores e agricultores”, afirmou Coumba Sambel Dia, vice-presidente da unidade pastoral.

3. Trabalhar em contextos de insegurança

A restauração pode apoiar a paz, mas o que acontece quando a insegurança impede que atores externos acessem as áreas do projeto?  

“Algumas prioridades são fomentar uma forte participação comunitária, desenvolver as capacidades técnicas dos atores locais e aproveitar inovações como aplicativos móveis para oferecer orientação à distância”, disse Malefia Tadele, gerente do projeto Reverdecer a África, ao refletir sobre o trabalho nas regiões etíopes de Tigray, Oromia e Amhara. 

Daoda Traoré, coordenador regional de Monitoramento, Avaliação e Aprendizagem da ONG burquinense SPONG, concordou: “Os líderes comunitários são essenciais para manter o impulso quando eclodem conflitos. A coordenação com as instituições governamentais também é fundamental, juntamente com a inclusão de líderes locais, mulheres e jovens, e o planejamento para cobrir os custos adicionais de trabalhar em áreas inseguras”.

4. Vincular a restauração aos meios de subsistência

Embora restaurar a terra beneficie, a longo prazo, as pessoas e a natureza, vinculá-la desde o início a atividades geradoras de renda é essencial para fomentar a apropriação local e motivar as comunidades, enfatizou Tadele. 

Kodou Choukou Tidjani, diretor-geral da Agência Nacional da Grande Muralha Verde do Chade, reforçou esse ponto no contexto das paisagens que acolhem refugiados. No Chade, mais de 1,4 milhão de refugiados e solicitantes de asilo exercem pressão sobre os ecossistemas circundantes, provocando o corte de árvores para lenha, erosão, diminuição das fontes de água e aumento das tensões com as comunidades anfitriãs. 

Em resposta, a Agência da GGW está ampliando a regeneração natural assistida ao redor dos campos de refugiados, realizando atividades de reflorestamento e estabelecendo fazendas comunitárias que apoiam tanto a população local quanto a deslocada.

5. Designar a restauração de terras como prioridade de segurança global

A terra sustenta quase todos os aspectos da vida —desde os sistemas alimentares até a biodiversidade e a estabilidade climática—, mas 40% da superfície terrestre mundial já está degradada. A maioria dos países mais vulneráveis à degradação e às mudanças climáticas também está entre os mais frágeis. 

“A UE reconhece plenamente as ligações entre terra, clima e paz a nível político”, afirmou Bernard Crabbé, da Direção-Geral de Parcerias Internacionais da Comissão Europeia. “Enfrentar a degradação ambiental e as mudanças climáticas é fundamental para reduzir a instabilidade e o conflito”. 

Crabbé destacou o regulamento da UE sobre produtos livres de desmatamento e o apoio à gestão integrada de terras, à GGW e aos marcos de cooperação transfronteiriça sobre a água em regiões como a bacia do Lago Chade. 

“Não podemos enfrentar esses desafios a partir da competição geopolítica”, afirmou. “Precisamos de cooperação, fortalecendo as sinergias entre as Convenções do Rio sobre desertificação, clima e biodiversidade”. 

Para Morales, assessor da adelphi, o potencial da restauração de terras para a construção da paz continua subestimado no cenário global: 

“A restauração deve ascender na agenda internacional como uma questão de segurança humana, paz e desenvolvimento sustentável. E isso implica financiamento e cooperação a longo prazo para restaurar a terra na escala e velocidade de que necessitamos”.